POEMA  SILENCIADO




Um amontoado de pedras é recoberto por tecido; a costura é aparente e irregular. Cada pedra carrega uma palavra. Originalmente, juntas, elas formam um texto intitulado Poema silenciado. Folhas datilografadas empilhadas ao lado das pedras repetem este texto. Mas ele não pode ser lido: os parágrafos estão cobertos por traços de caneta que transformam a caligrafia em desenho. Exceto o último. Nele, se lê: "Um grito escarrado de garganta aberta, é preciso abrir a torneira, deixar o jorro sair, a água engolir a boca em ato de palavra formada. É preciso que a água invada a boca inteira para que a palavra produzida ali esteja toda já diluída. Não é palavra que precisa nascer, é palavra que precisa morrer".

O silenciamento imposto às palavras escondidas nas pedras repete e reitera outro, presente nos relacionamentos violentos e abusivos. Repetir esse apagamento, tornando público apenas o parágrafo final, sugere a relação entre o direito à palavra e à vida. E também o avesso: que a palavra, como linguagem hegemônica, pode carregar sentenças de morte, ao soterrar imagens, significados, lapsos, produções inconscientes.

O número de folhas empilhadas corresponde ao número de tentativas da artista de reproduzir o poema sem errar a datilografia.





2017
instalação
pedras, tecidos, linhas, papel